Houve uma época em que equipes de F1 eram pequenas sociedades em que a previsão de lucro era zero. Os private entrants – “inscrições independentes”, traduzido de acordo com o senso etimológico da expressão, nem tanto ao pé da letra – eram comuns nos GPs dos anos 50 e 60 e ocupavam, à exceção de uma ou outra operação, o fundo do grid.
Era uma época em que as quebras eram comuns e o número de times inscritos variava de evento para evento, o que tornava possível largar em 22º e repentinamente se ver às margens da zona da pontuação, mesmo com um carro desatualizado ou, enfim, um piloto que não fosse profissional.
É neste contexto que surge a Escuderia Bandeirantes, o primeiro time com inscrição brasileira que disputou o Mundial de F1. Quer dizer: é possível presumir que o time era do Brasil pelas pessoas envolvidas, mas não há muitos dados claros sobre quem comandava ou financiava a operação. Seu principal nome esportivo, Chico Landi, morreu há 26 anos, assim como o resto da trupe – Bianco, Cantoni –, o que contribui um pouco para promover o enigma em torno da Bandeirantes.
De qualquer forma, vamos fazer um esforço: algumas fontes dizem que o sócio majoritário era o uruguaio Eitel Cantoni; outras, o paulistano Landi (que, diferente de muitos pilotos brasileiros hoje, não tinha origem na classe média alta ou na classe rica). Também existem rumores de que o time era financiado pelo governo de Getúlio Vargas, um fato parcialmente corroborado por Landi – no passado, ele confirmou ter obtido passagens aéreas com apoio estatal –, mas no fim, o que se sabe é que a operação era chefiada por ele em conjunção com Cantoni, o argentino Alberto Crespo e o ítalo-brasileiro Gino Bianco.
Tudo começou no fim de 51. O quarteto adquiriu três Maserati A6GCM para disputar a temporada seguinte da F1 e se inscreveu para os GPs da França e Inglaterra. Como mandava o regulamento de 52, os modelos eram bem simples: motor aspirado 2.0 em linha, 180 hp, com câmbio de quatro marchas. Bem comum, se não fosse pelo esquema de cores que diferenciava a A6GCM tupiniquim a olho nu na pista: a carenagem pintada de amarelo com as rodas verdes.

Étancelin deixou o time pouco depois e Bianco e Cantoni assumiram o volante em Silverstone. Mas a mudança se provou um fracasso: Cantoni, o mais rápido na classificação, sequer completou o primeiro giro após sofrer uma falha no freio da A6GCM. Já Bianco terminou em 18º, oito voltas atrás do vencedor Ascari. A dupla foi mantida para Nürburgring, mas novamente o desempenho foi apático, com os dois abandonando pouco antes da metade do percurso.
Preocupado com o futuro do time, Landi decidiu então se inscrever como piloto nº 1 em Zandvoort, com Bianco e Cantoni dividindo o outro carro. Ele também recorreu à ajuda do local Jan Flinterman, que, além de ter nascido a 48 km da pista, tornou-se o primeiro ás da Holanda a disputar uma corrida de F1.
No treino classificatório, Bianco surpreendentemente foi o mais rápido, 3s mais veloz que Chico e Flinterman. Mas o sucesso durou pouco: ainda na primeira volta, o ítalo-brasileiro despencou para a última posição e pouco depois abandonou novamente. Flinterman também não teve sorte e desistiu com um problema no motor; Landi, porém, cedeu seu carro ao holandês nos últimos giros, que pôde terminar sua prova doméstica em nono.
A última participação na curta trajetória do time se deu em Monza. Landi inscreveu três carros – desta vez com Bianco e Cantoni separados – e foi o mais rápido da equipe, largando em 18º.

Mas o paulistano não se contentou em ficar lá atrás. Ainda no primeiro giro, passou cinco carros e pulou para 13º. Em seguida, depois de despachar o jovem talento Stirling Moss, se viu entre os dez primeiros com as quebras à frente. No fim, a ótima performance rendeu a Landi um oitavo lugar e uma vitória simbólica: o melhor piloto entre os carros independentes na classificação final. Cantoni também foi bem, terminando em 11º após largar da última fila, enquanto Bianco abandonou.
Como vimos acima, a Bandeirantes disputou apenas cinco GPs oficiais em 1952. Nas estatísticas, geralmente se leva em conta também o GP da Suíça de 53, mas há incongruência em algumas publicações: enquanto algumas apontam a inscrição como “Escuderia Bandeirantes”, outras – a Autosport, por exemplo – indicam apenas “Chico Landi”, o que leva a crer que a operação à esta altura fosse apenas uma iniciativa independente do paulistano e não a equipe em si.
Monza-1952 provavelmente foi a última prova da Escuderia Bandeirantes. A equipe ainda viveu um brilhareco no Daily Mail Trophy – uma prova não-oficial –, com Landi conquistando um segundo lugar de Ferrari 375. Mas no geral não foi uma história de sucesso.
Os nomes de Eitel Cantoni e Gino Bianco desapareceram do automobilismo internacional após o fim de 1952. Já Landi disputou os GPs de Suíça e Itália em 1953 e o GP da Argentina de 1956, onde obteve um quarto lugar – melhor resultado de um brasileiro na F1 por quase duas décadas. Por muitos, inclusive Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet, ele é considerado o grande pioneiro do automobilismo nacional.
By Projeto Motor
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